FAZENDO A LIÇÃO DE CASA:

Para implantar o escritório TETO – Arquitetura Sustentável fez-se necessária uma reforma geral no imóvel, tanto para a renovação das condições gerais, como para atender às novas necessidades de espaço e organização.

Neste artigo, vamos ilustrar como soluções simples e de baixo custo podem minimizar o impacto ambiental das obras de construção civil. E como tais soluções podem melhorar o ambiente em que vivemos.

Fachada:

fachada antes

fachada depois

Devido ao baixo orçamento e o intuito de preservar a estrutura original da casa, optou-se por não alterar sua fachada criando platibandas, faixas ou outros volumes cujo único objetivo seria proporcionar uma falsa “modernização” do imóvel. Ao invés disso, a criação do jardim de acesso e o uso de materiais naturais dão as boas vindas aos clientes e amigos.

Criação dos jardins:

Jardim de acesso recém plantado (10-02-2011)

Jardim de acesso recém plantado (10-02-2011)

Jardim de acesso 2 meses após o plantio (07-04-2011)

Jardim de acesso 2 meses após o plantio (07-04-2011)

Mais do que embelezar a fachada do imóvel, a criação de pequenos jardins cria micro-climas que atraem pássaros e pequenos animais de volta para o nosso convívio próximo. Quem não gostaria de ser agraciado pelo cantar de pássaros ou de poder observá-los enquanto se banham da janela de onde trabalha? Conseguimos isso com nosso pequeno jardim!

Plantas aquáticas x Dengue: Vale destacar que na bacia de barro onde colocamos as plantas aquáticas e onde os pássaros bebem e se banham, habitam peixes da espécie “tricogaster”. Além da respiração branquial, esses peixes, assim como os “betas”, possuem a capacidade de retirar oxigênio do ar, dispensando o uso de motores para a oxigenação da água. Além de trazer mais vida ao jardim, os peixes contribuem para comer as larvas de mosquitos e pernilongos que eventualmente ali desovem, afastando o risco de o local de cultivo das plantas aquáticas se tornar um criadouro de dengue.

São os jardins, também, que contribuem para a absorção da água das chuvas que, ao caírem naturalmente ou vindas dos condutores dos telhados têm ali um local para percolar no solo, evitando-se assim seu despejo na rede de águas pluviais das cidades e contribuindo para a redução do risco de enchentes. Como sabemos, a impermeabilização da superfície das cidades pelas construções e a canalização das águas pluviais são grandes responsáveis por este problema. Respeitando os códigos de construção ao deixar a “área mínima vegetada” nos terrenos ou mesmo aumentando-as, criando jardins, ganhamos bem mais do que belas plantas.

No quintal da edificação, 30m² de piso impermeável foram removidos para dar lugar a um gramado. Com isso, praticamente toda a água de chuva captada pela cobertura que antes era conduzida a um ralo e então à rede de águas pluviais agora percola na terra. A solução ideal seria captar essa água e armazená-la numa cisterna, para depois ser utilizada na rega das plantas. Pretendemos implantar esta solução num futuro próximo.

Neste gramado plantamos árvores frutíferas e diversos tipos de trepadeiras que futuramente contrastarão seu verde com a pintura amarela do muro, dando o efeito de “muro vivo” que pretendemos.

Aumento da área permeável de piso:

Quintal antes – piso impermeabilizado

Quintal depois – piso permeável com gramado, seixos, árvores frutíferas e trepadeiras

Quintal antes – piso impermeabilizado com pedra portuguesa

Quintal depois – piso permeável com grama e vegetação

 

Com a criação destes jardins, a área vegetada do terreno passou de 8% (mínimo exigido) para 20% da área total, somando 50m².

A estrutura do toldo da cozinha foi reutlizada e agora serve como suporte por onde cresce um pé de maracujá

 

Reutilizando a terra:

A criação do relevo através pelos pequenos “morros” no jardim não foi apenas uma solução estética. Quando trocamos as pedras portuguesas da calçada pelos paralelepípedos de arenito vermelho, uma grande quantidade de terra foi retirada, uma vez que os paralelepípedos são peças de maiores dimensões. Toda esta terra seria descartada, mas optamos por utilizá-la no paisagismo, criando então os relevos.

Detalhe dos morros criados com a terra proveniente da calçada

Faixa de grama na calçada:

Ainda pensando na permeabilidade dos pisos, a solução de se fazer uma moldura com grama na calçada ajuda a captar a água utilizada na lavagem da frente do imóvel. Praticamente toda a água que correria para o meio-fio é captada pelas duas faixas de grama, evitando o desperdício e contribuindo para a rega.

Calçada com paralelepípedos de arenito vermelho

 

Reutilização de entulho:

Criação de uma rampa com o entulho gerado na obra

O entulho gerado na demolição das paredes foi reutilizado para criar uma rampa de acesso ao quintal, no local onde antes havia uma escada.

Escolha do tipo de cimento:

cimento CP II-E

O cimento utilizado na reforma é do tipo CP II-E, que incorpora adições de 35 a 70% de escória de alto-forno (um resíduo da indústria siderúrgica) e até 5% de material cabornático em sua composição.

Estas adições trazem melhorias ao cimento, como maior impermeabilidade e durabilidade, baixo calor de hidratação, alta resistência à expansão devido à reação álcali-agregado, além de deixá-lo mais resistente a sulfatos, podendo ser empregado em contato com líquidos agressivos, esgotos e efluentes industriais.

É considerado o cimento mais ecológico de todos os cimentos produzidos no Brasil, pois além da preservação das jazidas naturais e pelo menor lançamento de CO2 na atmosfera, aproveita o rejeito das siderúrgicas, a escória, evitando o descarte deste material na natureza ou em aterros.

Textura da fachada:

textura de tinta mineral

A antiga fachada com revestimento cerâmico imitando tijolo estava em bom estado. No entanto, ali era a oportunidade para testar a aplicação de um material muito interessante e de ótimo desempenho:

A “tinta mineral”.

Trata-se de um revestimento ecológico e sustentável desenvolvido com pigmentos de terra extraída de jazidas certificadas e à base d’água.

Veja as características apontadas pelo fabricante:

-Não tem em sua composição metais pesados encontrados em pigmentos sintéticos;

-É livre de COV’S– Compostos Orgânicos Voláteis – substâncias poluentes derivadas do petróleo que agridem a camada de ozônio;

-Não possui plastificante, não cria película ou bolhas;

-Atóxica, não causa alergias;

-Inodora;

-Resistente a intempéries;

-Longa durabilidade;

-Cor intensa, não desbota já que o pigmento é mineral;

-Permite a respiração da parede, pois a composição natural sem resina acrílica permite que a umidade interna ao substrato seja trocada com o ambiente externo;

-Gera economia de material, mão de obra e tempo. Em paredes de alvenaria regularizadas dispensa fundo preparador ou massa corrida. A produção da tinta se dá sem o uso de compostos químicos ou processos de transformação, induzindo o uso de energia natural;

Além da fachada, utilizamos a “tinta mineral” também na pintura do banheiro.

Banheiro:

Banheiro antes

Banheiro depois

Efeito das paredes com reboco sarrafeado e tinta mineral

Detalhe do reboco

Piso e revestimento do banheiro foram todos removidos e substituídos por ardósia. Material natural e de baixa demanda energética é uma pedra muito abundante e resistente, que proporciona grande naturalidade aos ambientes. Nas paredes, apenas a área de banho ganhou revestimento com as pedras, nas demais, foi feito o “reboco sarrafeado”. Esta textura é obtida quando o pedreiro “desempena” a parede com a régua de alumínio e os grãos maiores de areia que não foram peneirados “riscam” o reboco, proporcionando um efeito decorativo e natural.

Normalmente, é assim que se faz o “fundo para azulejo”, ou seja, um tratamento rústico e rápido que será posteriormente coberto com o revestimento das paredes. No entanto, esta textura pode fazer parte do efeito decorativo. Com isso, obtemos um aspecto decorativo e natural e ganhamos tempo e economia na execução das paredes.

Detalhe – Espelho Ecológico

Este tipo de espelho não utiliza metais pesados (cobre e zinco) em sua produção e na composição da tinta utilizada para o espelhamento, o teor de chumbo é infinitamente menor que nos processos galvânicos. A água utilizada em todo o processo de produção é tratada e reutilizada.

Válvula de descarga com duplo acionamento

Em reforma de banheiros, uma solução muito simples pode proporcionar a economia de água que os sistemas modernos oferecem, apenas substituindo o acabamento de sua válvula de descarga por um de acionamento duplo. Todos os maiores fabricantes já oferecem essa versão e você mesmo pode fazer a substituição utilizando uma chave de fenda.

Cozinha:

Cozinha antes

Cozinha depois = sala de apoio/copa com piso de bambu

A cozinha deu lugar a uma sala de apoio, utilizada para conversas informais ou para um café com amigos e clientes. É neste espaço, onde antes havia piso e revestimento cerâmico, que colocamos o piso de bambu, a fim de proporcionar mais aconchego ao ambiente.

A nova cozinha, menor e mais funcional, foi então transferida para onde antes ficava a área de serviço. Recebeu o mesmo tipo de acabamento do banheiro, com pedra ardósia.

Área de serviço – antes

Área de serviço depois = cozinha

Pergolado:

Voltada para a face oeste (sol poente), a cozinha tem grande exposição ao sol da tarde. Para minimizar o calor e a incidência de luz direta, criamos um pergolado (foto acima à direita) que sustenta uma trepadeira Jade-Vermelha. Quando crescida, a planta proporcionará uma visão muito bonita com seus cachos de flores ao mesmo tempo em que “filtrará” os raios de sol, evitando o excesso de calor na cozinha.

Utilizar a vegetação como barreira natural contra os raios solares pode auxiliar muito na diminuição da temperatura interna dos ambientes. Este tipo de recurso, conjuntamente com a criação de gramados e a ventilação cruzada, possibilita diminuir consideravelmente a necessidade do uso de condicionadores de ar.

Tais medidas, aliadas ao uso de equipamentos de baixo consumo energético e a iluminação com lâmpadas frias e LED’s, faz com que a demanda energética do escritório seja de apenas 4 Kwh/m²/ano.

Cozinha

Ampliação da sala principal:


Sala com sua configuração original

Sala integrada a um dos dormitórios

Comprida e estreita, a antiga sala de estar comportaria bem a grande mesa da sala de projetos, mas a sensação de confinamento e carência de luz natural incomodavam. A solução adotada foi a realização de aberturas nas paredes do dormitório que fazia limites com esta sala, criando uma integração visual e espacial. Com isso, também a luz proveniente da janela deste antigo dormitório agora penetra na sala e sua localização proporciona a ventilação cruzada nestes ambientes.

Sinteco Ecológico:

Todo o piso de taco de peroba-rosa foi restaurado, com lixamento e aplicação de Sinteco Ecológico – composto por resina Uréia-Formol, Solvente Orgânico, Plastificante e água.

Além de utilizar materiais menos tóxicos em sua composição, este tipo de Sinteco reduz drasticamente o cheiro incômodo do Sinteco tradicional durante e após a aplicação.

Sinteco composto por solventes orgânicos

Abertura das paredes e reforço estrutural utilizando madeira de demolição:

Abertura das paredes do antigo dormitório – integração com a sala

Estrutura com colunas e vigas de madeira

Salas integradas:

Sala principal

A parede verde ao fundo funciona como lousa para os croquis dos projetos

Integração do antigo dormitório à sala principal

Na decoração, a estante de fórmica da década de 1970

Por que usar madeira?

Depois de feitas as aberturas nas paredes, um reforço estrutural seria necessário. A solução mais imediata seria executar pilares e vigas de concreto, que depois de pintados, passariam despercebidos. No entanto, queríamos criar uma ambientação mais aconchegante e natural. E os batentes de madeira de demolição fizeram bem este papel. Feitas de eucalipto, essas peças que antes sustentavam um antigo galpão em uma serraria foram cortadas nas medidas necessárias sem ser “aparelhadas”, a fim de preservar as marcas provenientes da serra de corte, mantendo seu aspecto rústico e natural.

Detalhe dos batentes de madeira

Nesta reforma a madeira está presente nos usos mais diversos: seja na estrutura, no piso, no mobiliário, no paisagismo:

– A estrutura que reforça os vão abertos no antigo dormitório é de madeira de demolição;
– O piso geral do imóvel em peroba-rosa foi todo restaurado;
– A antiga cozinha recebeu piso de bambu;
– A mesa de trabalho e outra de apoio são peças de redescobrimento, ou seja, estavam abandonadas e foram recuperadas;
– Nos jardins, antigos dormentes ferroviários foram cortados e utilizados como pisadas.

Mesa de apoio – eucalipto de redescobrimento

Porta “finger joint”

 

A porta de entrada do escritório é produzida pela união de vários pedacinhos de madeira, retalhos da fabricação de móveis e que normalmente seriam descartados. Com dimensões variadas,  são compostos por diversos tipos de madeira, como Angelim, Eucalipto, Jequitibá e Tauari. Configurando a bonita paleta de cores. Através do processo de emendas finger joint é possível unir essas peças de tamanhos e densidades diferentes, resultando numa porta maciça, de excelente qualidade, preço baixo e com um visual único.

Diferentemente do que é disseminado em matérias sensacionalistas, o uso da madeira não caracteriza uma atitude anti-ecológica, pelo contrário. O que deve ser combatido é a exploração ilegal das florestas, bem como o uso de madeiras raras e nativas de difícil renovação.

Madeiras com certificação de manejo sustentável podem e devem ser utilizadas em nossas construções, afinal, este material tão nobre nos proporciona benefícios por toda a sua existência:

São as mesmas árvores que quando vivas embelezaram nossas paisagens, purificaram nosso ar, refrescaram nossas cidades, proporcionaram sombra e deram abrigo aos animais que podem continuar nos servindo quando as transformamos em objetos de madeira. Utilizadas como piso, móveis, estrutura, cobertura, decoração, ferramentas, utensílios e toda uma infinidade de serventias ao homem. A madeira não deve ser abolida da construção civil, mas sim explorada responsavelmente, seja através do manejo sustentável, ou a partir da exploração de novos recursos, como o caso do bambu para a construção e decoração, uma planta de rápido crescimento, fácil disseminação, grande consumidora de CO2 e com ótima durabilidade.

Abaixo, um trecho transcrito do livro “A Arquitetura da Felicidade”, do filósofo suíço Alain de Botton, ilustra bem a relação harmoniosa que este material nos proporciona.

“Pisos de madeira oferecem prazeres análogos de harmonia entre forças contrárias quando as tábuas, que um dia tiveram o pulsar da natureza fluindo dentro delas, submetem-se à vontade da serra e, no entanto, ainda guardam em si suficientes sinais de vida para se contraporem à geometria do carpinteiro. Podemos ver redemoinhos, rodopios e imperfeições, como se a madeira fosse um rio turbulento, porém, congelado. Irregularidades permanecem – um nó que não foi aplainado, uma depressão ou empenamento que não foi alisado -, mas ainda assim estas características são graciosas, e não lembranças de ameaçadora complexidade, pois estão cuidadosamente contidas dentro de uma série de calmas linhas paralelas e ângulos retos, fixada por longos pregos de ferro.”

TETO – Arquitetura Sustentável

Como vimos, práticas simples e critério na escolha de materiais podem melhorar significativamente a qualidade dos nossos espaços sem comprometer o meio-ambiente. É na construção civil, atividade humana maior geradora de resíduos e consumidora de materiais, onde justamente podemos fazer as maiores economias de recursos, seja com a utilização das novas tecnologias, seja com a racionalização dos processos. O desenvolvimento sustentável da construção não é modismo nem atividade impossível, mas, felizmente, um caminho sem volta.

Paulo Trigo