Para Alvaro Puntoni, a arquitetura habitacional deve ser pensada de forma integrada à cidade para gerar espaços urbanos de qualidade

As cidades são feitas de casas.

A cidade é constituída majoritariamente por uma arquitetura habitual, entremeada por objetos não ordinários sobre uma base infraestrutural. É essa arquitetura dos espaços da vida, do cotidiano, aquela que não é extraordinária, que configura e conforma os espaços da vivência.

Como arquitetos, acabamos relevando mais os equipamentos e a infraestrutura, por sua excepcionalidade ou singularidade, negligenciando por vezes o desenho da casa. O projeto de cada habitação é um elemento que se insere em um contexto mais amplo. Cada casa, por menor que seja, é parte do todo e, por isso, capaz de modificá-lo.

É notável como a arquitetura cotidiana e anônima é – em média – de qualidade superior nas grandes cidades sul-americanas, em comparação com as brasileiras. Talvez isso ocorra em função de normas e legislações mais inteligentes e coerentes, que privilegiam um desenho urbano prévio, o qual praticamente inexiste em nosso caso.

Talvez, também, em função da forma pela qual se organiza a profissão do arquiteto e a valorização do projeto que esses profissionais qualificam, o processo de educação e as escolas de arquiteturas nesses países.

Ou talvez, ainda, pela constatação de que há de fato a construção de um gosto, a necessidade de busca de um prazer estético que, em nosso caso, muitas vezes pode ser questionado, como bem exemplifica a onda de neoclássico que nos assolou na última década e seu assombroso sucesso mercadológico.

No âmbito dos espaços internos da habitação, o que vemos por aqui é uma insistência na reprodução ad nauseam da casa burguesa (ou da casa grande) em áreas diminutas e, em função de um preconceito de partida, não nos permitimos experimentar ou ensaiar novas formas de viver. Por que não admitir espaços de asseio que assimilem a famigerada área de serviço, desconectando-a da cozinha (resquícios de um passado escravista e, depois, de uma sociedade que oprimiu a mulher)? Ou repensar a exagerada presença de áreas de banho multiplicadas pelo número de dormitórios, acrescidas ainda de um banheiro social que remonta às casas bandeiristas, nas quais o visitante ficava do lado de fora ou apartado da família? Ou rever ou diminuir a excessiva compartimentação dos espaços que separam a vida, mesmo dentro do universo familiar?

 

 

 

Sabemos que a casa deve admitir as atividades de quem mora e, desta forma, conformar-se continuamente com a vida deste habitante. Mas não pode olvidar do seu compromisso coletivo com o todo e com os demais. Tem de ser parte integrante da cidade. A casa contemporânea, cada vez mais, deve envolver os espaços abertos do viver no mundo. Não podemos pensar somente em uma casa que se fecha, mas devemos crer em uma casa que se abre. A casa deve – e pode – construir a cidade que imaginamos e o mundo em que vivemos e ainda viveremos.

A casa deve fazer as cidades que desejamos.

 

Trecho transcrito da Revista AU – 208 (julho 2011)

Artigo original:

http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/208/artigo224378-1.asp