Se há alguém que é a cara da sua obra, este é Carlos Motta. Loiro, queimado de sol, surfista, aquele eterno ar de gente boa que lhe tira uns bons pares de anos no visual, ele cria móveis que são uma extensão do seu jeito manso de viver. De sua mais famosa cadeira, a premiada São Paulo, até as espreguiçadeiras, mesas, poltronas, os sofás, as casas que projeta, tudo em que ele põe a mão transborda naturalidade, economia de gestos e a filosofia “o-chique-é-simples”. Motta já falava em ecologia e responsabilidade ambiental nos anos 1970, quando mergulhava no então azulzinho mar de Camburi e ganhava das águas, vez por outra, uns pedaços de madeira que lhe davam umas ideias.

Não que ele seja um intuitivo: Motta estudou arquitetura, aperfeiçoou as técnicas construtivas na Califórnia, deu aulas na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Simplesmente percebeu que olhar o céu, entender as marés, comer um peixinho podia ser tão inspirador quanto os livros. E assim criou um design genuinamente brasileiro, e se tornou internacional, durante um período entressafra do nosso design, abrindo seu ateliê em 1980. Não é da turma da antiga, anos 50/60, não é da seara dos Campana, de mistura de materiais. Tanto que numa mostra de design em Curitiba, que ocorreu em setembro no Museu Oscar Niemeyer, paralela à Bienal de Design, ele aparecia ao lado dos grandes designers brasileiros. O título da mostra era “Os Modernistas + 1″. “Eu era o mais um”, diz, rindo.

Diferentemente dos designers que criam protótipos, mas não botam a mão na massa, Motta sempre foi um artesão. “Nas aulas na Faap eu sempre dizia que o designer tem de executar, não só desenhar, tem de dominar o material.”

Representa do em Nova York e Los Angeles pela Galeria Espresso, ele hoje cria várias peças especiais para colecionadores, um trabalho artístico que faz com que um móvel, por exemplo, seja vendido a € 25 mil. Mas, coerente com sua atitude de valorizar a simplicidade, ele acredita num vocabulário de design do dia a dia, do caipira que cria um banquinho porque precisa ou uma ferramenta nova. “O melhor do design brasileiro a gente não sabe. É o espontâneo, o anônimo, o que vem de soluções espertas, geniais, que têm função e excelência”, diz ele, apostando que mesmo dentro do brasileiro mais rude mora um artista.

Como ele, outro grande mestre da madeira no Brasil, inclassificável numa turma, é Hugo França. Ele vive pelas árvores: vai a Trancoso, na Bahia, se mete na mata com mateiros e indígenas para descobrir pedaços de árvores, raízes desenterradas, canoas abandonadas, que com seu olhar viram obra de arte. Deixa a natureza falar por si: pega, por exemplo, um pedaço de tronco e enxerga mobília. Quase não interfere, bota um tampo de vidro e cria uma mesa. Ou esculturas de hipnotizar a gente. Engenheiro de formação, gaúcho, de 55 anos, França trabalha na mesma linha de Zanine Caldas e vê em Julia Krantz sua sucessora.

“A natureza é generosa, e muito nos tem oferecido. Mas nosso planeta está cansado, exaurido. Temos a obrigação de reconsiderar o que é importante e vital para o homem. Propor um design objetivo, básico. Desvincular a felicidade do bem material. Precisamos de pouco pra viver bem. Com os caiçaras, aprendi o nome dos pássaros, dos peixes, e mais do que tudo, aprendi a me aproximar do âmago e do purismo da vida. A vida se expressando de maneira simples e básica. O belo não é somente observado, é vivido e incorporado.” (Carlos Motta)

Fonte: Valor Econômico: 08/04/2011